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  Perdigotos em Fúria

Data: 24/10/2014

Perdigotos em Fúria

ISTOÉ Independente - 21/10/2014

Ricardo Arnt
Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta

Quando o perdigoto eleitoral - essa jabuticaba tão apreciada - atinge as proporções que atingiu na internet e na mídia, a quantidade se transforma em qualidade e micróbio vira pérola

 

 

Graças aos debates eleitorais de 2014, é preciso rever o aforismo de Nelson Rodrigues segundo o qual “no Brasil, da discussão não nasce a luz, nascem perdigotos”. O autor não conheceu a era da escala eletrônica. Quando o perdigoto atinge as proporções que atingiu na internet e na mídia, a quantidade se transforma em qualidade e micróbio vira pérola. Na tevê ele está contido pela camisa de força das regras e pelo bordão “seu tempo está esgotado, candidato”, mas a repetição dos embates pelas emissoras também acelera a reprodução.

Nessas semanas perdigóticas entre o primeiro e o segundo turno, o fervor de agressão, distorção, mentira, calúnia e hipocrisia chega a gerar luminescências. Nunca a leitura dos jornais foi ao mesmo tempo tão reveladora e tão penosa. Coitados dos jornalistas que têm de ler tudo e se esquivar dos projéteis voadores. Por isso mesmo, destacam-se as “luzes” do encontro de Guido Mantega e Armínio Fraga sob os auspícios de Miriam Leitão; a entrevista de Aloizio Mercadante no “Estadão”; o boletim psiquiátrico de Bruno Torturra, “Transtorno Bipolar Eleitoral”, na “Folha”; e o primeiro duelo “solo” de Dilma e Aécio, na Band.

Em meio a perdigotos de várias consistências, o petardo mais potente chegou a afogar o seu autor: “o aparelho excretor não reproduz”. Mas seria insensibilidade não ressaltar o ódio viscoso ao voto nordestino e ao PT que invadiu os shopping centers e o Facebook, a repetição goebbeliana de refrões (“Eles quebraram o Brasil três vezes”; “Eles queriam privatizar a Petrobras”), as distorções maliciosas (“Brasil apoia degoladores do Estado Islâmico”) e a manipulação ampla, geral e irrestrita (“O investimento e o crescimento estão prestes a melhorar”; “Ajuste fiscal rápido é menos custoso”; “Banco Central independente = menos comida no prato das famílias”).

As urnas já falaram. A grande minoria desamparada votou na inclusão social e na distribuição de renda, enquanto a maioria com mais autonomia e renda votou pela alternância no poder e por um governo mais eficiente. Dilma ganhou 60% dos votos do Nordeste, venceu em todos os municípios do Maranhão e levou 78% dos votos nos 150 municípios com maior cobertura do Bolsa Família. Hoje, os 49 milhões de pessoas (!) beneficiadas pelo cartão bancário querem o 13º salário. O que Victor Nunes Leal, o autor do clássico “Coronelismo, Enxada e Voto”, estudioso da “dependência do voto de cabresto”, pensaria desse vínculo eletrônico?

Em contraste, quem estuda, trabalha e corre atrás na batalha diária quer menos inflação e mais crescimento. Aécio levou 44% dos votos da multidão de São Paulo e 51% dos do Paraná e de Santa Catarina. Ganhou em 88% das cidades paulistas. Inclusive em São Bernardo do Campo.

Juntos, Aécio e Marina obtiveram 55% dos votos; Dilma e Luciana Genro (imaginando uma convergência eventual), 43%. Qualquer marciano percebe que o governo ideal, empenhado com o País todo e não com classes sociais ou minorias privilegiadas, deveria tentar conciliar as demandas de inclusão social e de ajuste econômico. A sociedade entendeu isso e Marina propôs explicitamente o compromisso de uma terceira via contra o diálogo de surdos e a polarização perniciosa. Mas não deu certo. Ninguém disse que seria fácil. 
Pressionado pela economia e pelas ruas, o “povo” elegeu um Congresso mais conservador. Cresceram as oligarquias familiares e as bancadas evangélica, ruralista e empresarial.

O bloco sindicalista encolheu. A “bancada da bala” dos delegados e ex-militares aumentou. Mas o crescimento dos extremos some diante do ímpeto confuso da maioria. Essa é a virtude de eleições limpas. Sempre há perdigotos, mas o oxigênio limpa o ambiente tóxico. Se avançarmos nas reformas política, tributária, judiciária, previdenciária, ambiental, trabalhista e em todas as demais necessárias (e se a nossa convivência de país dividido não degringolar pelo caminho), a eleição de 2018 será mais luminosa.

 




 

 

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