O DIVÓRCIO ENTRE POVO E PARTIDOS
Data: 31/03/2015
O DIVÓRCIO ENTRE POVO E PARTIDOS
Philippe Guédon
O fosso aberto entre os interesses dos partidos e aqueles do povo em matéria eleitoral fica mais evidente a cada dia, através da leitura dos correspondentes credenciados da Imprensa junto ao Executivo e ao Congresso, dos comentários dos cientistas políticos que atuam em renomadas Universidades e até nos textos apresentados pelos programas do horário gratuito partidário do TSE.
Para os partidos, que falam através de seus dirigentes e de seus mandatários, a Reforma Política de que o Brasil carece tem a ver com o fim do financiamento das campanhas pelas pessoas jurídicas, com a adoção do voto distrital e do voto de lista e com a cláusula de barreira. Ou seja, o essencial reside em reforçarmos o monopólio dos partidos na seleção dos candidatos a cargos públicos eletivos que os partidos se auto-atribuíram quando da Assembléia Constituinte de 1988. Menos partidos, maior controle das direções partidárias sobre a escolha dos candidatos (agora relacionados por ordem de preferência das siglas). E transformemos o financiamento privado em público, pois o Caixa 2 não foi nem será interrompido por lei...
O povo, cuja opinião ninguém pede se não puder exibir o salvo-conduto da carteirinha de um “movimento” chapa branca, gostaria que a Carta Magna fosse integralmente colocada em vigor, inclusive aquele parágrafo do artigo 1º: “Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Mais adiante um pouquinho, o artigo 14 assegura que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto (...). Mas que voto direto é este que veda ao eleitor escolher o candidato em quem quer votar, senão escolhendo os “menos piores” nas relações pré-impostas por três dezenas de pessoas jurídicas de direito privado, exercendo um monopólio que 93% das democracias já aboliram, permitindo a concorrência saudável de candidatos avulsos, isto é, sem partido?
Pessoalmente, não me sinto contemplado ao saber que a reforma política será debatida pelos partidos e por quem estes permitirem. Executivo e Legislativo são compostos por partidos; os ditos “movimentos” são frutos dos partidos e são financiados por dinheiro público, resultando no que se chama de farinha do mesmo saco. Uma ou outra grande entidade, dizem, já opinou; ótimo para ela, mas não vejo porque as suas opiniões teriam valor universal, dispensando o conceito do “one man, one vote”.
Eu, idoso de luzes poucas e dúvidas muitas, acho que o parágrafo único do artigo 1° não está sendo respeitado, e somente o será quando os representantes forem do povo e não dos partidos. Para tanto, só há um meio: romper o odioso monopólio de seleção de escolha de candidatos concedido aos partidos, permitindo o candidato avulso. Ou o que é crime na economia, na ética, na sociedade, muda para “virtuoso” quando se fala em temas eleitorais?
O que mais dói é ver doutas vozes entrando no papo furado dos partidos, de cláusula de barreira a “distritão”. Voto avulso, rompendo o monopólio? Nem pensar! Será que não percebem que o prévio crivo do cartel impede o adjetivo “direto” ao voto?