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  VIDA EM DEMOCRACIA - Philippe Guédon

Data: 12/04/2020

 

VIDA EM DEMOCRACIA

Philippe Guédon *

 

            Ouço, de vez em quando, autoridades recomendarem o maior respeito para com nossas instituições, pois nossa democracia merece ser defendida. Concordo com o intransigente apoio ao conceito de democracia, mas entendo que o modelo que a Constituição e Leis posteriores moldaram, assim como a prática diária do “governo do povo” podem e devem ser objeto de críticas sempre que for o caso, sem o que estaríamos a negar o próprio conceito. Colho um exemplo aqui mesmo no Município de Petrópolis/RJ.

            A nossa Lei Orgânica Municipal foi debatida em 1989 e inícios de 1990, e promulgada em abril 1990. À época de sua redação, o então procurador-geral do Município, Carlos Alberto Alvarães, propôs à líder do Governo, vereadora Carmen Felicetti, a introdução da figura do Ouvidor do Povo, a ser eleito pelos vereadores a partir de candidatos apresentados por entidades da sociedade civil.

            A Seção II do Capítulo II do Título I é toda dedicada à Ouvidoria do Povo. Estabelece o caput do artigo 6º: “O Ouvidor do Povo é eleito pela maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal, para um mandato de dois anos, com direito à reeleição, dentre cidadãos e cidadãs de reputação ilibada, com mais de 21 anos de idade, residente no Município há pelo menos dez anos, não integrante de qualquer dos Poderes Públicos locais, cuja função será exercida graciosamente”.

O resto do artigo é dedicado à descrição das atribuições do ouvidor, ou ouvidora, entre as quais cito apenas uma, por me parecer suficiente, no espaço deste texto, para ilustrar a razão de ser do cargo: “VII - apurar, por iniciativa própria ou quando provocado: a) atos, fatos ou omissões de órgãos ou agentes da Administração Pública Municipal direta, indireta ou fundacional, que impliquem o exercício ilegítimo, inconveniente ou inoportuno de suas funções ou com ofensas aos princípios da Administração Pública”.

            Tenho a Câmara de Petrópolis, onde exerci um mandato de vereador há décadas passadas, em muito baixa conta. O Legislativo é o principal Poder do Município pois fiscaliza as ações do Executivo, e o contrário não acontece. Dá posse ao Prefeito e pode até vir a cassar o seu mandato, não sendo as recíprocas verdadeiras. A Câmara, sempre através da maioria de seus vereadores, tal como definida pela LOM, acolhe ou rejeita os projetos de lei oriundos do Executivo. No caso em tela, poderiam os Vereadores propor e votar uma Emenda à LOM, alterando ou suprimindo o teor do Capítulo, se este lhes parecesse inconveniente. Não o fazendo, mandaria a democracia que o executassem fielmente, tal como usam mandar o povo fazer em relação às pilhas de mandamentos que remetem para sanção ou promulgam. Pois, no caso, entenderam nossos edis preferível descartar a determinação sem suprimi-la, pois poderia o povo, usualmente passivo, aborrecer-se com tamanha desfaçatez e cobrar o preço em eleições futuras.

            Ainda no mandato do prefeito Paulo Gratacós, quando fora aprovado e promulgado o texto da LOM, foi eleita a primeira Ouvidora do Povo a Irmã Íris Venchiarutti, da Igreja Católica. Cumpriu o seu mandato, foi reeleita e cumpriu o segundo período. Já então, haviam os vereadores percebido alguns pontos que lhe apareciam como insuportáveis: o ouvidor do povo (ou ouvidora) era visto pela população como um super-vereador, pois desempenhava funções semelhantes, quando não mais amplas, sem perceber remuneração nem beneficiar-se de toda a parafernália de benesses que a edilidade julga indispensável. Quisesse candidatar-se à Irmã Íris à um cargo eletivo, disporia de uma simpatia popular a que nenhum vereador poderia pretender. A comparação entre a ação da ouvidora com o desempenho habitual dos vereadores era acachapante; cedo ou tarde o eleitorado dar-se-ia conta que mais valia um membro da população consciente indicado por entidades, que quinze edis selecionados por organizações a que chamamos de partidos.

            Pois nunca mais se elegeu um Ouvidor do Povo em Petrópolis. Primeiro, tentaram os parlamentares municipais desmoralizar o nobre cargo, elegendo um candidato encomendado que não reunia as mínimas condições para o exercício da Ouvidoria. Constatando que a esparrela não convencia ao mais ingênuo dos munícipes, pois simplesmente nunca mais procederam nosso estimados vereadores à uma chamada para que as entidades apresentassem seus candidatos, conforme a LOM. E assim puseram o belo “avanço” em hibernação.

            Poderá este procedimento ser rotulado como democrático? A quem poderia ou deveria o povo recorrer para que a LOM fosse cumprida? Já tive ensejo de levantar um tema diante do MP-RJ e receber, em resposta, a informação que o controle do processo legislativo não é competência do MP. Por óbvio, inclino-me, mas fica a pergunta: e de qual Órgão será a competência? Não se trata de um ilícito, apenas do perverso e covarde recurso chamado “corpo mole”, que deveria ser sancionado nas urnas, se o povo pudesse apresentar os seus candidatos sem a barreira representada pelo monopólio partidário.

            Eis um exemplo de como são diversos os conceitos da democracia-tése e da democracia-real, que é servida ao povo de norte a sul do país. Fica o registro, certificado pela memória de um contemporâneo dos fatos antes que se percam de vez. Enquanto o nosso modelo de democracia for este elaborado por partidos para o seu uso e deleite, teremos Câmaras parecidas com esta nossa, rasteirinha de dar dó. O modelo mudará, mas o povo terá de ultrapassar mil barreiras antes de poder usufruir do poder que dele mesmo “emana”. Na prática, e com todo o respeito, pois sim.

 

 

* Coordenador da Frente Pró Petrópolis - FPP




 

 

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