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  UÉ!

Data: 04/07/2015

 

 

UÉ!

Philippe Guédon

 

            Mais vou me enfronhando nas artes da Administração Pública, menos entendo. Dou três exemplos, todos ligados à Constituição Federal de 1988, cujos méritos louvo, mas cujos defeitos me parecem ser insuficientemente comentados nas doutas assembléias apropriadas; mundo acadêmico, Congresso, Cortes e até – com todo o respeito – o Supremo Tribunal Federal.

            Volto a um ponto essencial. Como se pode afirmar, no parágrafo único do artigo primeiro, que todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição, e dar uma lustrada neste conceito fundamental, no artigo 14, ao explicar que a soberania popular se traduz por eleições diretas e secretas, plebiscitos, referendos e leis de iniciativa popular, e depois passar a desmontar o belo edifício? Pois as nossas eleições não são diretas, eis que um colégio restrito tem o monopólio de selecionar candidatos e o povo tem a obrigação de votar nos mesmos. Na prática, menos de 2 mil pessoas ditam limites a 143 milhões no segundo. Entenderam a lógica? Eu, não. Plebiscito, só tivemos um em 27 anos, referendo também. E leis de iniciativa popular são trevos de quatro folhas e objeto de enfraquecimento permanente. Pior: o mesmo artigo 14, no seu § 3º, ao exigir que o candidato seja filiado a um partido político, criou o cartel dos partidos e deu-lhe o monopólio de apresentação de candidatos. Cartel é crime acolá, lícito aqui. Candidato avulso: não pode. Por quê? Ninguém me responde.

            O nosso sistema orçamentário prevê que a LDO seja elaborada tendo por base o PPA. Uma vez a cada quadriênio, a exigência é cronologicamente inviável, pois a LDO tem que ficar pronta em abril, tendo por base um PPA que será remetido à Câmara em final de agosto. Como o absurdo se mantém há 27 anos, e que todos os prefeitos, governadores e presidente chutam de quatro em quatro anos, sem que TCU ou TCEs estrilem, tenho que lembrar a Dinamarca do bom Príncipe Hamlet. Há algo de torto no Reino... Cerca de 5.600 autoridades, e cerca de 30 TCU e TCEs? E só vê isso quem já não enxerga?

            A cereja do bolo é o que ora descubro, gerando pasmo e temor. A nossa Constituição exige dos municípios que atendam às normas que criam as três leis do sistema orçamentário, e os submete, assim que contam com mais de 20 mil habitantes, ao plano diretor de revisão no mínimo decenal. A regulamentação da CF, feita pelo Estatuto das Cidades, lista o mínimo de oito tipos de planejamento municipais: setoriais, de desenvolvimento social, econômico, de meio-ambiente e participativos, e por aí vamos.

            Sempre presumi que os Estados e a União eram submetidos à exigências ainda mais severas e detalhadas. Pois me enganei: o máximo de planejamento que a Constituição exige, para a União e para os Estados e DF, é o Plano Plurianual, de quatro anos de abrangência, nada vezes nada. O resultado? Só pode ser o caos, nascido dos improvisos e dos slogans, sem que se possam desenvolver políticas públicas inseridas em contexto global.

            Como estou esperando para saltar do bonde, só posso ficar com pena dos passageiros que seguem viagem neste veículo desgovernado, sem freios, motorneiro, faróis nem trilhos.

 

 




 

 

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