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  Roubalheira pública disseminada (mais do que se pensa)

Data: 17/05/2015

 

 

Roubalheira pública disseminada (mais do que se pensa)

Publicado por Luiz Flávio Gomes - 14/05/2015 - JusBrasil

 

Com as bandalheiras do PT no poder (mas não se trata, obviamente, do único partido acusado de corrupção), o senso comum entende que estamos vivendo o período de maior pilhagem do patrimônio público da nossa História. Inexiste comprovação empírica (científica) disso. Uma coisa é, no entanto, rigorosamente certa: os casos noticiados escandalosamente pela mídia (Petrobras, metrôSP, trensalão, mensalões etc.) são apenas a ponta de um monstruoso iceberg. É a corrupção e a improbidade das pequenas e médias cidades do país que revelam (que comprovam) o quanto elas marcam generalizadamente uma das formas de governar a coisa pública no Brasil.1Algo em torno de 10% das verbas federais é desviado nos municípios com menos de 450 mil habitantes (segundo o Ipea).

O problema da corrupção no Brasil é mais grave do que o senso comum imagina porque é sistêmico (está na raiz do sistema estatal e da sociedade). Se não houvesse um ambiente nacional eminentemente cleptocrata (União, Estados e municípios governados também por ladrões, que se dão “licença” para roubar, contando com a impunidade e até mesmo com a “cumplicidade” de boa parcela da população), com certeza não alcançaríamos números tão estratosféricos nos desvios do dinheiro público.

De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), 2 passam de 230 mil apenas os processos de corrupção e improbidade administrativa ingressados na Justiça brasileira até 2012 e que ainda não estavam julgados definitivamente em 2014: nesse ano, 77,6 mil foram julgados em primeira instância e 156,5 mil permaneceram sem julgamento. A corrupção e a improbidade constituem uma forma bastante disseminada de governar (não a única, mas a mais saliente) e isso acontece em todos os níveis da administração pública, com particular persistência em praticamente todos os municípios. As pequenas elites econômicas, financeiras, políticas, administrativas e sociais são as que estruturam a pilhagem cleptocrata no nível municipal, que vem sendo controlada esporadicamente pelas ações do Ministério Público assim como (muito raramente) por iniciativas da população (normalmente carente e clientelista; o clientelismo eleitoral é abominável, mas entre ele e a fome de algumas famílias mais necessitadas, deve preponderar esta última, evidentemente).

Falta estrutura (varas especializadas, peritos etc.) para o Poder Jurídico de controle externo (polícia, Ministério Público e Juízes) reduzir drasticamente a impunidade e a morosidade. Falta ainda na Justiça criminal brasileira incrementar a Justiça negociada, fundada na autonomia da vontade do acusado, por meio de institutos como o acordo de conformidade do direito espanhol (que acaba com o processo criminal rapidamente). A processualística no campo criminal foi imaginada (desde Beccaria, 1764) para garantir os direitos do réu, mas tem o efeito colateral, em razão da quantidade exorbitante de recursos, de permitir a impunidade, especialmente dos detentores do poder. O equilíbrio ainda não foi encontrado (mas, com certeza, ele está entre a proposta aberrante de Moro – prisão imediata após o julgamento de primeiro grau – e o pensamento atual do STF – que diz que a prisão só pode ocorrer depois de esgotados todos os recursos, incluindo os extraordinários).

É possível combater a corrupção combatendo-se (apenas) a corrupção (a curiosa indagação é de Céli Jardim Pinto)? Possível é, mas é inócuo porque quando o Poder Jurídico entra em ação ele ataca um caso de corrupção (ainda que complexo), não suas causas. Claro que é relevante punir os envolvidos na corrupção, mas se queremos reduzi-la aos níveis dos países civilizados (escandinavos, por exemplo) o caminho é outro. Jamais alcançaremos esse objetivo sendo o 69º colocado no ranking mundial do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e um dos mais desiguais do planeta, onde os privilegiados na hierarquia social se julgam no “direito” de ter “direitos diferenciados”. A sociedade brasileira constitui um dos ambientes mais favoráveis do planeta para a inoculação do vírus da corrupção em virtude da nossa espúria relação com a coisa pública (nos falta a consciência de que ela é “de todos”) assim como com a igualdade perante as leis (praticamente todos nos julgamos no “direito” a ter “direitos diferenciados”, violando a igualdade da lei).

1 Veja JARDIM PINTO, Céli Regina, A banalidade da corrupção, Editora UFMG: Belo Horizonte, 2011: 82 e ss.

2 Veja Valor Econômico 9, 10 e 11/05/15: A10.

 

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Luiz Flávio Gomes

Professor

Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 agenda de palestras e entrevistas




 

 

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