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  O Brasil é maior do que a sua imprensa

Data: 11/06/2014

 

CÓDIGO ABERTO

O Brasil é maior do que a sua imprensa

Por Carlos Castilho, Observatório da Imprensa em 09/06/2014 Edição 802

 

Parece frase de efeito ou afirmação de político em véspera de eleição, mas é verdade. A gente se dá conta disso ao ler o noticiário sobre a situação econômica do país, quando ora vemos dados e prognósticos otimistas e logo em seguida somos bombardeados com fatos e previsões totalmente pessimistas. O leitor fica confuso porque foi educado a achar que a imprensa é a expressão da verdade e da realidade.

Mas o que lemos, ouvimos e vemos é apenas a expressão de uma parte do país em que vivemos, e mesmo assim uma parte pequena porque temos uma população de quase 200 milhões de observadores da realidade enquanto a soma de todas as redações jornalísticas dificilmente chega a 50 mil profissionais. Não tenho certeza deste número. Todas as fontes que consultei tinham apenas estimativas gerais. A imprensa é o segmento mais qualificado para levar percepções da realidade até o público, mas ela é estruturalmente limitada nesta função, pois não maneja todos os dados e é obrigada a publicar versões e opiniões de outras fontes, que geralmente têm seus próprios interesses.

Por isso soa como um absurdo a pretensão de jornais, revistas e telejornais de apresentar o que publicam como se fosse expressão fiel da realidade global do país. Evidentemente a imprensa admite este absurdo, tanto que não afirma textualmente ser um espelho da vida que nos cerca. Mas de fato ela pratica esse tipo de distorção ao omitir dados, fatos e eventos que não se enquadram na sua política editorial e empresarial.

O mundo está se dando conta de sua incapacidade de perceber a realidade como um todo porque ela depende da soma e da recombinação das percepções de um número cada vez maior de seres humanos. Depois da avalancha informativa e da internet, estamos descobrindo a complexidade do mundo em que vivemos e as dificuldades para entendê-lo. Por isso, os cientistas e intelectuais que já se deram conta desse fenômeno assumem que sabem apenas uma parte da verdade e que outros conhecem o que eles ignoram.

Isso cria uma situação inédita entre nós, que é a de reconhecer nossa limitação cognitiva e de que precisamos do conhecimento de outras pessoas para identificar problemas e buscar soluções. O que nos leva inevitavelmente a um mundo com menos desequilíbrios informativos e a uma relativização generalizada do papel da imprensa como fonte de notícias para o nosso quotidiano.

Esse tipo de reflexão se torna necessário no momento em que interesses eleitorais empurram a imprensa e muitos jornalistas para situações do tipo “bom ou mau”, “contra ou a favor”, “justo ou injusto”. A realidade é bem mais complexa e tem mais do que apenas dois lados. Reduzir o mundo a apenas isso equivale a transmitir uma visão falsa e distorcida do ambiente que nos cerca e, portanto, criar condições para que o eleitor corra o risco de fazer opções equivocadas.

A economia brasileira foi eleita pela imprensa como o principal parâmetro eleitoral para o pleito de outubro. A economia é, por natureza, uma área muito complexa do conhecimento humano e, portanto, sujeita a percepções equivocadas, omissões comprometedoras e afirmações generalizantes e enganadoras. Os economistas sérios sabem disso e procuram se precaver, mesmo lidando com números que, supostamente, são um símbolo da exatidão.

Mas quando a economia cai na arena eleitoral, as distorções e absurdos ganham dimensões desproporcionais e geram consequências imprevisíveis. A imprensa tem uma enorme responsabilidade nesse processo e a obrigação de saber as limitações de sua função e dos temas com os quais está lidando. 

 

É difícil aos jornalistas identificar as complexidades das informações que transmitem, principalmente quando os profissionais fazem parte de verdadeiras linhas de montagem industrial de notícias em grandes jornais ou telejornais. Também não se pode fazer um julgamento dicotômico de quem trabalha num veículo de comunicação, mas isso não serve como desculpa para ignorar que a realidade do país é muito mais ampla e complexa do que a transmitida por sua imprensa.




 

 

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