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  Soluções ilusórias

Data: 30/07/2014

 

 

JORNALISMO IRREFLETIDO

Soluções ilusórias

Por Mauro Malin em 08/07/2014 na edição 806 do Observatório da Imprensa

 

“Pelo Brasil afora tem muita gente que não está esperando o governo para resolver os problemas da comunidade onde vive. Os próprios moradores se mobilizaram, racharam as despesas e deram o jeito deles”, disse o apresentador Chico Pinheiro na introdução de uma reportagem do Bom dia, Brasil de 7 de julho (veja aqui o vídeo).

Na favela de Rio das Pedras, Zona Oeste do Rio, uma cabeleireira, incomodada por brigas devido ao lixo, criou uma “Patrulhinha do Lixo”. Crianças “fotografam, avisam o responsável e, quando há muita sujeira, fazem barulho” (com apitos), explica a repórter. Na Zona Norte de Manaus, um cidadão limpou o lixo e começou a plantar árvores. “Em Arapongas, no interior do Paraná, o que mobilizou os moradores e empresários foi a falta de segurança”, prossegue a matéria. “Eles arrecadaram cem mil reais para reformar a cadeia do município.” E mais: “Cansados de esperar pela prefeitura, os próprios bombeiros de Natal juntaram dinheiro e compraram as placas que alertam sobre o risco de afogamentos”.

E vem a moral da história: “Por todo o país, são muitas iniciativas que ajudam a cumprir tarefas do poder público.” A reportagem volta a Rio das Pedras. Exibe foto do fim de 2013 e um vídeo de hoje para “comprovar a força dos pequenos voluntários”. Eis a foto e uma imagem capturada do vídeo:

 

O atento leitor notará que na foto abaixo, onde o cruzamento das ruas está livre de lixo, corre uma vala a céu aberto, aparentemente de esgoto ou outro tipo de água-servida.

 

“Limpeza na política”

Comenta Chico Pinheiro: “Força que pode ser muito maior se esses grupos das comunidades se organizarem para escolher bem os seus candidatos e fazer uma limpeza na política”. Está parcialmente certo. “Escolher bem” os candidatos, ok. Quer dizer, mais ou menos. Quem escolhe os candidatos não são os eleitores, mas as direções partidárias, grupos de indivíduos que em alguns casos fariam corar a madre superiora.

Escolher bem para quê? Para realizar que programa? Mas os programas são valorizados em campanhas eleitorais? Ou o que se chama de programa é quase uma perversa homologia com a propaganda eleitoral (“programa eleitoral”)? De uma coisa se pode ter certeza: não se trata de escolher bem para “fazer uma limpeza na política”. Esse discurso não leva a lugar nenhum. É uma enganação. O jornalista editorializa a matéria num sentido retrógrado.

No final da reportagem o hoje manjado (e um tanto desmoralizado) “outro lado”: a Companhia de Limpeza Urbana do Rio disse que está melhorando a coleta de lixo na favela de Rio das Pedras e a prefeitura de Natal desobrigou-se da instalação de placas nas praias. Nenhuma lei a obriga a fazê-lo.

Deletéria cascata

Trata-se de uma deletéria cascata de três minutos. A ideia que se tem é que juntaram infrutíferas sugestões de pauta para encher linguiça numa manhã de segunda-feira. Por que é deletéria? Porque sugere que grupos de cidadãos podem “meter a mão na massa” e fazer o que o Estado deixa de prover (onde, em geral, não por acaso, a população é mais pobre, mais frágil e tem menos poder político).

Então, vamos lá: as pessoas podem “se juntar” e tirar o lixo da favela? Não. Podem se cotizar para pagar a polícia que em tese leva bandidos para trás das grades? Não. Podem garantir a presença de salva-vidas perto das placas nas praias? Não. Não e não e não, mil vezes não. Pior: muitas dessas “soluções” podem criar problemas de que o cidadão comum não está advertido.

Depois as pessoas não entendem por que multidões tomaram as ruas um ano atrás com, entre muitas outras, placas do tipo “Desculpe o transtorno, estamos reformando o país”. Infelizmente, não estavam. Até porque não é assim que se reforma um país. Isso depende de política organizada e consistente.

Do it yourself: milícias

O trecho sobre Rio das Pedras estaria menos incompleto se, por exemplo, relembrasse que uma solução “mão na massa” nesse bairro favelado do Rio de Janeiro está na origem das mal denominadas milícias. Veja, leitor desconfiado, em reportagem de Sérgio Ramalho no Globo.

Quando essa onda começou, o hoje candidato ao Senado César Maia propagou a ideia maluca de que as milícias poderiam ser a solução para os problemas de criminalidade e violência do Rio de Janeiro. Muita gente boa embarcou na canoa furada. Hoje, é o que se sabe. Quem não sabe pode consultar o relatório final da CPI das Milícias da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Leitura, nem é preciso dizer, desaconselhável para crianças.




 

 

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