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  PNPS: por um Congresso inexpressivo

Data: 14/06/2014

 

PNPS: por um Congresso inexpressivo

Ives Gandra da Silva Martins *

Diário de Petrópolis, Sábado, 14 de junho de 2014

 

A Política Nacional de Participação Social (PNPS), tal como descrita no decreto nº 8.243/14, tende a substituir o Congresso Nacional na representação popular, para “fortalecer e articular mecanismos e instâncias democráticas de diálogo” e em “atuação conjunta com a administração pública federal” da “sociedade civil” (art. 1º), criar conselhos e comissões de políticas públicas e sociais (artigos 10 e 11) eleitos pelo povo, objetivando auxiliar a Secretaria Geral da Presidência da República (artigo 9º) a monitorar e implementar as políticas sociais por eles definidas, com atuação junto às diversas instâncias governamentais.

 

Num curto artigo, é impossível descrever e analisar o nível de força que se pretende atribuir a instrumentos “populares”, na promoção com o governo, das políticas que desejarem, sem a participação dos legítimos representantes do povo, que são os senadores e deputados.

 

Como os conselhos e as comissões serão eleitos pelo “povo”, mas a eleição não é obrigatória e o “povo” dificilmente terá condições de dedicar-se em tempo integral, deixando trabalho ou ocupações diversas, para estar presente nessas “eleições”, serão os “amigos do rei” os beneficiados pelas indicações, que lá estarão presentes, num verdadeiro aparelhamento do Executivo e redução do Congresso Nacional à sua expressão nenhuma.

 

Por pior que seja, o Legislativo é eleito pelo povo. Nele está contida 100% da representação popular (situação e oposição). No atual Executivo, nem 50% do povo brasileiro está representado, pois a atual presidente teve que ir ao 2º turno para ganhar as eleições.

 

Em outras palavras, pretende o decreto que a autêntica representação popular de 140 milhões de brasileiros seja substituída por um punhado de pessoas, que passará a DEFINIR A POLÍTICA SOCIAL DE TODOS OS MINISTÉRIOS, INDICANDO AO EXECUTIVO COMO DEVE AGIR!

 

A linha da proposta é tornar o Congresso Nacional uma Casa de tertúlias acadêmicas, pois os conselhos e comissões eleitos pelo “povo” serão aqueles que dirigirão o país. Por exemplo, a comissão encarregada da comunicação social poderá determinar que o ministério correspondente imponha restrição de conteúdo à imprensa, a pretexto de que é esta a “vontade do povo”, que será “obrigado” a atender aos apelos populares.

 

As políticas públicas e sociais não mais serão definidas pelo Legislativo, mas, por este grupo limitado de cidadãos enquistados nestes organismos. Estamos perante uma autêntica ressurreição, da forma mais insidiosa e sorrateira, do PNDH-3 (Programa Nacional de Direitos Humanos), que recebeu repúdio nacional e, por isto, não foi aplicado da maneira como pretendia o governo.

 

Às vezes, tenho a impressão, com todo o respeito que tenho pela figura da presidente da República, que ela tem recaídas “guerrilheiras”. Talvez, a “devoção cívica” que demonstrou nutrir pelo sangrento ditador Fidel Castro -tão nítida no retrato exibido por todos os jornais, de sua recente visita a Cuba- a tenha levado a conceber e editar essa larga estrada para um regime antidemocrático. É que o decreto suprime as funções constitucionais do Parlamento e pretende introduzir entre nós o estilo bolivariano das Constituições da Venezuela, Bolívia ou Equador. Nelas, o Executivo e o “povo” são os verdadeiros poderes, sendo -é o que está naquelas leis maiores- o Legislativo, Judiciário e Ministério Público, poderes acólitos, vicários, secundários e sem maior expressão.

 

Por ter densidade normativa própria, o referido decreto é diretamente inconstitucional, ferindo cláusula pétrea da Constituição, que é a autonomia e independência dos Poderes (artigos 2 e 60 § 4º, inciso III).

Espero que o Congresso Nacional repila o espúrio diploma, com base no artigo 49, inciso XI, da Carta Maior, zelando, como deve, por sua competência legislativa.

 

* Advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra .Fonte O Estado de S. Paulo.




 

 

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