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  O seu voto conta mesmo? (3ª parte)

Data: 19/04/2014

O seu voto conta mesmo?

Por Pedro Antonio Dourado de Rezende em 15/04/2014, Observatório da Imprensa, edição 794 

Efeitos suspensos

A tentativa de convencer o TSE a permitir alguma eficácia técnica em fiscalização externa, nos mecanismos que controla e alardeia como de plena auditoria pública, atingiu níveis surreais este ano. Com a prévia negativa de se incluir, em relatórios do teste de votação paralela, dados que permitam concluir se o mecanismo é eficaz – ou não – como teste de integridade do software na urna, restou ao interessado solicitar apenas a cópia do relatório, instrumento mínimo necessário ao ente público para administrar a terceirização do seu serviço. Mas nem isso. A justificativa em ata: “a exposição de dados não oriundos deste Tribunal Superior, em seu site, poderá ensejar interpretações equivocadas e prejudiciais à Justiça Eleitoral”. Com um pouco menos de empáfia onde não cabe, seria possível ter dito “interpretações divergentes”. Mas ela parece não ter limites. Na última negativa referente às resoluções que visam 2014, esta para a Sociedade Brasileira de Computação (SBC), sobre o momento adequado para fiscais verificarem os autenticadores de programas: “por questão de segurança e integridade dos dados”, negado, “pois o momento para essa verificação é aquele anterior ao dia do carregamento das mídias”. Profissionais de forênsica computacional associados à SBC, que aprendam: na denominação eleitoral da seita do santo byte, segurança a) = segurança b) é dogma absoluto. 

Alguma dúvida sobre por que nunca se constatou desvio grave de votos? (Ou seja, nunca a Justiça Eleitoral constatou-o em juízo?) Haja vista que tanta divergência costuma alimentar teorias conspiratórias, convém não lembramos que o partido do fiscal que propôs esse teste vem conquistado a Presidência da República desde a eleição de estreia, em 2002, e o primeiro dele a se eleger diz que elege até poste. E que o maior instituto de pesquisa de opinião do mundo (Gallup) faz pesquisa eleitoral pelo mundo, faz pesquisa no Brasil, mas não faz pesquisa eleitoral no Brasil. Se a vontade do eleitor é respeitada pela Justiça Eleitoral, resta saber qual eleitor: tenho dúvidas quanto aos que queiram fiscalizar “pra valer” o processo de votação, ou discutir modelos de votação ou de distribuição de poder eleitoral. Mas o meu teste definitivo pode estar no julgamento do recurso administrativo que interpus em 23/03/2013 para o Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal. Conto ao menos com a palavra de um Corregedor Eleitoral.

“Prossegue o articulista transcrevendo a fala do professor doutor Pedro Antônio Dourado de Rezende, professor de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB), (...) Respeito, como não poderia deixar de ser, a opinião do ilustre professor doutor. Entretanto, como o referido professor diz, ‘no caso da urna, se entra software honesto sai eleição limpa. Se entra software desonesto sai eleição fraudada’. Aí cabe não só a ambos mas a toda sociedade brasileira confiar na Justiça Eleitoral, que já deu ao longo desses anos a prova do seu trabalho em prol da democracia e do processo eleitoral. Além disso, como já mencionado, é possível a vários setores de nossa sociedade, como à OAB, verificar a instalação e o desenvolvimento desses softwares, certificando sua confiabilidade.”

Primeiro, declino a indevida titulação de doutor. Segundo, sobre confiança, julgo oportuno, como sinal de que o verdadeiro respeito pode ser mútuo, citar uma homenagem que prestei em 2001 à autoria da Decisão do Pedido de Liminar Mandado de Segurança nº 2.914/00-DF. Decisão que negou, sob argumento tecnicamente insubstanciado, provimento ao pedido de suspensão de um dispositivo em portaria publicada pela TSE que afrontava o § 1º do Art. 66 da Lei 9.504/97 (ainda vigente e ainda afrontado). Afronta que acabou por inaugurar a prática de mirabolâncias normativas exorbitantes à competência constitucional daquela Corte, mencionada no início deste artigo. O que é confiança? (em “A Lanterna de Diógenes”). Terceiro, tendo até aqui esclarecido os sentidos realistas acima conotáveis da expressão “verificar a instalação e o desenvolvimento desses softwares”, agora exorbitada em suposta decorrência para o tempo gerúndio da expressão seguinte (“certificando sua confiabilidade”), resta-nos então observar as omissões. Curioso que, antes na réplica, os setores contemplados com tais possibilidades incluíam explicitamente o Ministério Público, e aqui não mais. Estaria o MP desinteressado da confiabilidade desses softwares? Se a palavra “software” for aportuguesada, como na réplica onde é alternada com “programa”, agora por outro sinônimo – “código” – veremos que não.

Outra norma infralegal – ainda código no sentido jurídico – publicada pelo TSE em exorbitância à sua competência constitucional seria a Resolução TSE 23.396/13. Assinada por seus ministros em 17 de dezembro de 2013, trata de crimes eleitorais nas eleições de 2014 (outubro e novembro). Este código interessa ao MP. Em mais uma Ação Direta de Inconstitucionalidade envolvendo norma eleitoral, agora com o TSE no polo passivo, a PGR impetrou em março de 2014 a ADI 5104, com pedido de cautelar, impugnando onze dos seus artigos (do 3º ao 13º). Segundo o Procurador Geral da República, em notícia divulgada no site do MPF em 30 de março de 2014, a resolução limitou indevidamente a atuação do MP e invadiu competência do Congresso Nacional para regular o processo penal. Citando da mesma notícia:

“...Todos os dispositivos impugnados são formalmente inconstitucionais por significarem usurpação da competência do Congresso Nacional para regular o processo penal, instituída no art. 22, I, da Constituição. De acordo com o Procurador Geral, o âmbito de atuação normativa do TSE é de caráter regulamentar, no plano inferior às leis. A Resolução 23.396/2013, contudo, exorbitou vastamente desse universo e transmudou aquela Corte em poder legislativo, derrogando preceitos constitucionais e legais. ... As inconstitucionalidades mais graves da resolução residem no art. 8º, que estabelece exclusividade de instauração de inquéritos eleitorais mediante requisição judicial. ‘A norma viola, a um só tempo, o princípio acusatório, o dever de imparcialidade do órgão jurisdicional, o princípio da inércia da jurisdição e a titularidade da persecução penal, que a Constituição atribuiu ao Ministério Público. ... A resolução ofende também o art. 5º, II, do Código de Processo Penal, o art. 24, VII, do Código Eleitoral, e, principalmente, o art. 129, I, VI e VIII, da Constituição da República. Este último inciso dispõe ser função institucional do Ministério Público ‘requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais’.”

O Procurador Geral pede a concessão de medida cautelar para suspender a eficácia da resolução pois, se mantidos até a eleição, os artigos impugnados poderão “elevar a impunidade dos crimes eleitorais, desequilibrar o processo eleitoral e macular a legitimidade do próprio regime democrático”, regime o qual também compete ao Ministério Público defender, conforme o Art. 127, caput, da Constituição Federal de 1988. Até o momento em que escrevo o Supremo Tribunal Federal, onde todos os ministros acumularam, acumulam ou acumularão função judicativa no TSE, ainda não havia se manifestado sobre tal medida cautelar. Mas há um fio de esperança, em vista de o TSE ter divulgado um relato sobre os trabalhos da comissão interna criada para analisar acordos e convênios envolvendo o cadastro eleitoral. Divulgado seis meses depois do prazo estabelecido em portaria (TSE 376/13) para conclusão dos trabalhos, mas admitindo, mesmo que de forma enviesada, exorbitância na resolução que embasou infralegalmente a celebração dos acordos (RES TSE 21.538/03), e autuado no Processo Administrativo do TSE nº 859-56.2013.6.00.0000/DF (distribuído a Exma. Sra. Ministra Luciana Lóssio), para ações definitivas. Por enquanto estão suspensos seus efeitos, como por exemplo o da oferta pela internet de números de título de eleitor de defuntos a R$ 29,00 cada, por entidades funerárias. 

Prazo irrevogável

Avaliar o trabalho em prol da democracia e do processo eleitoral na única democracia, até onde sei, cuja crua realidade concentra as três funções de poder democrático – executiva, normativa e judicativa – da esfera eleitoral numa só instituição monolítica, dita Justiça Eleitoral, me parece uma questão delicada. Avaliar a instituição com quais critérios? Se a concentração é boa porque “simplifica”, como ouvimos de uma autoridade máxima durante entrega do 1º Relatório CMInd, então melhor seria eleger pela imprensa: as pesquisas de opinião bastariam.

O trabalho dessa instituição ao longo desses anos “prova” o quê? Declamar cantilena mágica da propaganda oficial massiva à guisa de resposta, seria um ato de fé incondicional. De uma fé que contraria as evidências aqui expostas, sob qualquer perspectiva tecnocientífica que minha formação permite considerar seriamente. E que contraria as evidências empíricas – peço perdão se reduzidas sobremaneira – sob a perspectiva político-filosófica que um dos fundadores da democracia moderna e tido por pai da mais longeva e profícua delas, considerou, na citada coletânea de seus alertas.

Cabe à História julgar as instituições. A mim, só me cabe confiar incondicionalmente em meu Senhor Jesus Cristo, e no Deus vivo com quem é uno. Deus que é o Senhor da História, e que sobre essa questão nos orientou, através do profeta Jeremias. 

“Maldito é o homem que confia nos homens, que faz da humanidade mortal a sua força, mas cujo coração se afasta do Senhor” Je 17:5 (NVI)

E por fim, a réplica encerra:

“Finaliza o ex-ministro questionando se ‘nosso passado político, nossa prática de coronelismo, enxada e voto, mesmo com todos os avanços inegáveis ocorridos no país, não nos sugeriram um maior cuidado?’ Sim. E esse cuidado vem justamente ao encontro do sistema eletrônico de votação. Aos eleitores cabe fiscalizar o que vem sendo feito pelos seus representantes eleitos para coibir práticas de corrupção como as mencionadas pelo articulista. Na verdade, se realmente neste país se desvia merenda escolar e se rouba remédio popular, o que o articulista, como ministro da Cultura e advogado, fez de concreto contra práticas dessa natureza? Fica a pergunta.”

Sim, os tempos mudam, e o maior cuidado sugerido pelo que expus vem também ao encontro do SIE. Especificamente: não confundir invisível + irrastreável com = extinta. Adiantaria fiscalizar representantes eleitos sem antes fiscalizar como são eleitos? Eis a questão de frente, encobrindo a questão de fundo, sobre a qualidade possível ao regime de governo. O que pode um ministro da Cultura fazer de concreto contra as práticas citadas? Menos, creio, do que um magistrado apto a julgar causas sobre direito dos governados fiscalizarem o fluxo vital do processo de governo em nossa nação. Menos ainda do que aqueles que, ao julgá-las, se expõem a conflitos entre supremas e concomitantes funções judicativas, constitucional e eleitoral.

A questão de frente pode ser esquivada à vontade, por entorpecidos ou esclarecidos, mas a questão de fundo tem prazo irrevogável para uma resposta definitiva: em Apocalipse 11:15,18, quando a trombeta do sétimo anjo anunciar o retorno do Senhor Jesus Cristo para julgar mortos e vivos, reinos e nações.

***

Pedro Antonio Dourado de Rezende é professor do Departamento de Ciência da Com­putação da Universidade de Brasília, Advanced to Candidacy a PhD pela Universidade da Cali­fornia em Berkeley. membro do Conselho do Ins­tituto Brasileiro de Política e Direito de In­formática, ex-membro do Conselho da Fundação Softwa­re Li­vre América Latina e do Comitê Gestor da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-BR); seu portal




 

 

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