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  Portugalidade, brasilidade e Flamengo - Gastão Reis

Data: 30/11/2019

 

Portugalidade, brasilidade e Flamengo

Gastão Reis - Empresário e Economista


As últimas façanhas do Flamengo, campeão da Libertadores e brasileiro por antecipação, foram feitos notáveis. Além de soprar a brasa da autoestima carioca, com aquela imensa multidão ocupando a Av. Presidente Vargas no domingo, elas mexeram com nossa brasilidade de modo positivo. Não se exaltou apenas o lado futebolístico, mas também a reorganização financeira e administrativa do time. Nos dias 23 e 24 de novembro, o Brasil inteiro vestiu a camisa do Flamengo e amou de paixão o profissionalismo do técnico português Jorge Jesus. Ele conseguiu levar o Flamengo, em apenas seis meses, aonde ele já chegou, podendo em breve levantar o campeonato mundial de times. Não deixa de ser elogiável sua preocupação em saber das finanças do clube antes de aceitar o cargo. Preocupação exclusiva com o próprio bolso? Não mesmo! Na verdade, profissionalismo de quem quer trabalhar duro com tranquilidade.

A lição da epopeia flamenguista e seu técnico português nos fazem lembrar das origens de nossa brasilidade cujas raízes se firmaram na portugalidade herdada de Portugal na língua e no nosso modo de ser. E aí pouco importa se você é descendente de italianos, alemães, japoneses, espanhóis, árabes ou qualquer outra das muitas etnias que compõem o Brasil. Estamos irmanados pela língua portuguesa, o idioma comum que está no cerne da nacionalidade brasileira. Ao ver o Jorge Jesus abraçado à bandeira portuguesa após a vitória do Flamengo na final da Libertadores, fiquei com a sensação de que ele estava nos relembrando de nossas origens. E do muito que recebemos em termos de cultura e civilização de Portugal. Pelo menos até 15 de novembro de 1889, a despeito da visão negativa destruidora de nossa autoestima tão em voga hoje.

Foi então que me lembrei de um comentário de meu filho ao chegar de uma viagem a Portugal no início deste ano. Após me dizer que havia gostado muito do que viu e sentiu por lá, ele me surpreendeu com a seguinte observação: “Quer saber, pai, piada de português perdeu a graça para mim.” E foi aí que me dei conta do quanto de menosprezo havia nesse hábito nosso em relação à inteligência portuguesa. Pior: é como criar um filho denegrindo sistematicamente seus antepassados, pai, avô, bisavô. Não é preciso ser psicólogo ou analista freudiano para saber o que vai acontecer com a autoestima da criança no futuro. A isso se somou um ensino de história, assim com “h” minúsculo, dos vultos maiores de nosso passado, tratando-os como piadas de mau gosto por desconhecimento de fatos históricos distorcidos e desfigurados por um enfoque gramsciniano baseado na luta de classes.

E foi assim inventada a piada de brasileiro em que o País se transformou por total desencontro entre o povo, cansado de ser manipulado, e a pífia classe dirigente que se aboletou na política e no próprio judiciário. Foi assim que acabamos por pagar, na média, duas vezes mais a um funcionário público que faz a mesmíssima atividade de quem trabalha no setor privado. É um caso patológico único no mundo de remunerar em dobro alguém cuja produtividade está longe de ser duas vezes maior de quem labuta no setor privado. Descobrimos que vivemos numa réu-pública tamanha a roubalheira nos planos legal (mas imoral) e ilegal. E sem recursos para investir por malversação. Caímos na chamada armadilha institucional em que práticas degeneradas reiteradas transformaram o país num colecionador de décadas perdidas.

A saudável mensagem das proezas do Flamengo e de seu técnico português nos alerta sobre nossa capacidade de nos reinventarmos indo em direção ao lado ensolarado da calçada. De revalorizarmos nossas origens e estarmos à altura da herança recebida pelo menos até 1889: imprensa livre, homens públicos respeitados, judiciário sob controle, e dinheiro público tratado com respeito.




 

 

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