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  Mudando a Política do Vai Quem Quer...

Data: 18/03/2017

 

Mudando a Política do Vai Quem Quer...

Ricardo Braun *

 

Vai Quem Quer é uma Escola de Samba em São Paulo. Começou pequena e hoje está no primeiro grupo. Vai Quem Quer quer dizer, entra no samba quem gosta de sambar no carnaval.

Passa um carro com som alto tocando pagode, depois outro tocando funk e mais outro tocando forró. Será anúncio de baile, ou será uma roda de samba? Não, não é nada disso, são os candidatos as eleições de 2016. Uma combinação de política com diversão para atrair o povão. Mas é isso que queremos na administração pública? Confiar aos aventureiros políticos os cofres públicos e a gestão das cidades?

 

Brasil Potência, o paraíso mal usado

 

Entre os anos de 1900 e 2000 o Brasil cresceu mais que qualquer outro país. Ele saiu do mato para a industrialização. Poucos países fizeram isso em tão pouco tempo. Isso é estudado. Como disse Pero Vaz de Caminha, “aqui, em se plantando, tudo dá”. O Brasil continental possui diversos biomas produtivos, condições climáticas amenas, águas abundantes e abundância biológica. O que mais se quer? Um verdadeiro paraíso! Contudo, mal utilizado pela nossa diversidade humana. O ‘dar um jeitinho’, o ‘se dar bem’, o ’tirar de letra’, a ‘pretensão’ e o ‘orgulho’ do brasileiro, o impede de entrar no clube dos países ricos, pois para ser potência é preciso ter gestão de país desenvolvido, começando na infância. A exemplo, os jovens na Coreia brincam estudando matemática…

O nosso capital humano precisa aprumar, e muito. Principalmente na forma como se faz política no país. Será que existe uma corruptela cromossômica nos nossos governantes? Bom, isso é tema de pesquisa. Mas o que sabemos é que o ‘Brasil Potência’ está com a sua auto-estima bem baixa, os cofres vazios e com um time vicioso de primeira linha governando o País nos três níveis, municipal, estadual e o federal, salvo exceções. E como mudar esse paradigma que se enraizou ao longo do tempo?

 

A mudança de paradigma

 

Hábitos levam a crenças, crenças levam a prática, a prática permanente leva ao paradigma. No geral, o paradigma da política brasileira não é servir o melhor possível a nação, ao povo, mas servir a si próprio. Tudo indica que a crença oculta na psique política é a seguinte: “fui eleito pelo povo, e assim tenho o direito de me dar bem...”. É um paradigma reinante, caso contrário a situação brasileira seria outra.

Portanto, como agir diante de tal extraordinário fato? Mais especificamente, o que é necessário fazer para minimizar a magnitude dos problemas gerados pelos políticos que temos?

Uma resposta otimista em um universo decadente é que não existem problemas sem soluções, quaisquer que sejam. Mesmo sabendo que os problemas políticos brasileiros são difíceis de resolver, temos esperanças e o povo brasileiro urge por um novo paradigma no cenário da política nacional.

 

A nova ordem de gestão política

 

O Relatório de Felicidade Interna Bruta da ONU (World Happiness Report 2015) mostra que as nações mais felizes são aquelas com indicadores socioeconômicos e ambientais acima da média. A maioria deles concentra-se nos países do Norte da Europa, porque refletem eficiência e coerência na gestão política administrativa. Países desenvolvidos tem gestão eficiente. Na Noruega a gestão municipal em certos setores pode ser quase voluntária, e o país funciona muito bem com desenvolvimento sustentável e bem-estar social. E a felicidade interna bruta do Brasil com a crise atual? Deve estar muito abaixo daquela época quando se lançou o Plano Real.

A motivação nata é que, sendo um país jovem, o Brasil ainda tem a pretensão de tornar-se uma nação desenvolvida. E como realizar isso? A primeira ação estratégica para mudar o velho paradigma político é ocupar gradativamente os nichos políticos com pessoas especializadas, informadas, eficientes e bem intencionadas nos setores chaves da gestão política municipal, estadual e federal.

Para isso é necessário criar uma lei federal, assim como leis estaduais quando necessárias, tornando obrigatório o estágio profissional de estudantes universitários selecionados nas repartições de governos. Ou seja, alunos selecionados nas áreas de engenharia, medicina, sociologia, direito, meio ambiente, educação, entre outros, farão estágios obrigatórios nas câmaras municipais, nas prefeituras municipais, nas câmaras de deputados estaduais, no congresso nacional, no senado e na presidência da república. O resultado seria por um lado, o aprendizado do funcionamento desses setores públicos, e por outro lado, o monitoramento do funcionamento dessas instituições. O estágio serviria para preparar os futuros profissionais que ocuparão os cargos públicos com enfoque técnico e eficiente.

Ademais, a mencionada lei federal, deverá criar também escolas de nível universitário de Gestão Político-Administrativa, com o objetivo de formar profissionais capacitados para atuar na gestão política-administrativa nos três níveis de governo.

 

Políticos criteriosamente selecionados para a nova gestão pública

 

Para acabar de vez com o paradigma político do ‘vai quem quer’ é necessário, uma nova ordem de gestão pública, onde somente candidatos habilitados poderiam se candidatar nas eleições municipais, estaduais e federais.

E para habilitar os novos políticos seria necessário criar uma legislação chamada de Lei de Habilitação da Carreira Política Administrativa Pública, onde toda e qualquer pessoa com intenção de concorrer as eleições políticas no Brasil deverá primeiro ser aprovado em concurso público. Ou seja, a aprovação habilitará o candidato a concorrer as eleições políticas, desde vereador até a presidência da república. Sendo o Brasil um pais continental, a Lei será aplicada de acordo com as condições socioeconômicas de cada região. Não havendo candidatos habilitados em regiões menos desenvolvidas, as vagas serão oferecidas aos candidatos habilitados em outros Estados. Semelhante ao que se faz em concursos públicos.

Para se candidatar as pessoas terão que se preparar, como fazem os candidatos aos cargos públicos em concursos de governo. Os candidatos teriam que fazer cursinhos e estudar horas a fio matérias básicas como história, geografia, português, matemática, ética, legislação, economia, administração, contabilidade, entre outras. Assim como, matérias especializadas sobre planejamento regional, gestão local, relações internacionais, legislação ambiental, responsabilidade socioambiental, normas nacionais e internacionais, entre muitas outras matérias. A lei implementada gradualmente em todo território nacional, selecionará candidatos com pontuação mínima (ex. sete, numa escala de zero a dez), eliminando os políticos aventureiros e ineficientes do grupo do vai-quem-quer.

Sabe-se, porém, que pelo Brasil afora existem muitos políticos sem diploma, que além de serem carismáticos são também administradores natos exercendo sua função de forma exemplar. Mesmos para esses, o concurso seria necessário para nivelar o setor político-administrativo do País.

 

Novos políticos e a nova gestão físico-financeira pública

 

Como dizia a ex primeira ministra do governo do Reino Unido Magareth Tatcher, o governo não produz riqueza, ele usa o dinheiro das contribuições do povo. Ou seja, o dinheiro dos impostos e taxas cobrados pelo governo vai para o governo usar como bem entende. Se não houver controle de gastos o rombo aparece. Em outras palavras, os rombos existentes na gestão pública brasileira são, por um lado, devido a ineficiência de gestão físico-financeira, e por outro lado, devido ao tradicional desvio de verbas que estamos cansados de saber. E como resolver isso?

Empresas do setor corporativo como a Shell, a Coca-Cola, entre outras, dificilmente tem rombo por ineficiência de gestão físico-financeira. A Marinha do Brasil calcula os centavos dos seus orçamentos e o Exercito Brasileiro devolveu dinheiro ao Governo do Rio de Janeiro após terminar uma obra pública. Isso exemplifica que a eficiência físico-financeira é possível.

Quando uma empresa (pessoa jurídica) ou um cidadão (pessoa física) se candidata a uma verba governamental ou do setor privado para desenvolver um projeto, um empreendimento ou até mesmo para realizar uma pesquisa acadêmica, ele tem que apresentar um projeto completo, redondo nos cálculos. Caso contrário a verba simplesmente não sai. No política não existe isso. O paradigma de campanha da maioria dos candidatos políticos são: ‘…vou melhorar a saúde, vou melhorar o ensino, vou fazer acontecer’. Tudo isso ao ritmo de samba. Candidatos a vereador apresentam, em raras ocasiões, seus planos de governo em uma brochura, outros dizem, “veja no meu Facebook..., e assim vai. Interessante que são justamente essas pessoas, que irão movimentar, gerir e desviar o dinheiro público arrecadado do povo.

Como pode um governo querer governar sem detalhar um plano, sem programas e projetos de governo? Em toda minha vida nunca vi um plano metodologicamente completo de governo, seja municipal, estadual ou federal. Dá a impressão que os políticos entram no governo para então verificar, pensar, planejar o que irão fazer. Muitos falam que irão fazer isso ou aquilo, e acabam fazendo tudo ao contrário. Isso não é planejamento para um país com pretensão a superpotência.

Tradicionalmente, além dos cargos concursados, a equipe principal de governo de uma prefeitura é formada normalmente por gente de confiança do prefeito. Muitas vezes são amigos próximos, ou indicados dos amigos, e até os parentes do prefeito. Eles podem ser operacionais e fiéis ao mandato do prefeito, mas geralmente entendem muito pouco ou quase nada de gestão pública eficiente. Isso tem ajudando a piorar muito a administração financeira dos mais de 500 municípios espalhados pelo Brasil.

Na nova gestão pública o político eleito trabalhará somente com uma equipe de governo habilitada. Ou seja, os cargos comissionados de secretários, diretores, assessores, entre outros, terão que ser habilitados por concurso público, e capacitados a desenvolver previamente os planos, programas e projetos de governo.

 

Planos, programas e projetos políticos

 

Toda organização de ponta no mercado de capitais usa instrumentos de planejamento e gestão, desde aqueles do Project Management Institute (PMI) até os usados por corporações e instituições financeiras nacionais ou internacionais, tais como o Quadro Lógico (QL), a Estrutura Analítica de Projetos (EAP), o Planejamento, Ação, Checagem, Atuação (PADC), entre outros. São instrumentos voltados para organizações alcançarem metas, otimizar gastos e recursos humanos, a gestão ambiental, a eficiência energética, entre outras.

Instrumentos de gestão dão mais controle sobre o que se realiza e o que se gasta. Na nova ordem política administrativa, todo candidato aprovado e habilitado para concorrer as eleições, deverá elaborar com a sua equipe, um Plano de Governo discriminando os diversos Programas (ex. Educação, Saúde, Meio Ambiente, Desenvolvimento, etc.), nos moldes que o BNDES exige para qualquer tipo de projeto de financiamento.

Os programas deverão discriminar Projetos de Governo, e cada projeto deveria ser especificado em Objetivos, Metas, Justificativas, Atividades, Indicadores, Fontes de comprovação, Recursos Humanos, Materiais e Financeiros, para cada atividade planejada, inclusive um Cronograma Executivo (Físico-Financeiro e de Desembolso) para mostrar quanto irá custar o desenvolvimento das ações do governo.

Antes das eleições os candidatos habilitados colocarão seus Planos de Governo em uma Plataforma Web para qualquer cidadão apreciar. Os eleitores selecionariam seus candidatos pelos seus planos, programas e projetos de governo. Assim, todos terão conhecimento de como o candidato pretende usar o dinheiro público, acabando de vez com os desvios e o mal uso. O povo instruído saberia como acompanhar a gestão dos candidatos.

Na atualidade aplicativos como o Project Builder, o Fit City Track, entre outros, permite aos cidadãos acompanhar tudo que se faz nas cidades. Uma vez eleito o candidato, o seu plano de governo iria para uma plataforma web oficial discriminando todos os seus programas e projetos de governo. A mencionada Lei de Habilitação de Político, criará também um Conselho Deliberativo de Acompanhamento de Plano de Governo, supervisionado pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual, para monitorar o cumprimento de metas, o alcance de resultados e o balanço de receitas e despesas de governo. E os eleitores também terão acesso as essas informações na referida plataforma.

Com essa estrutura estima-se que dificilmente haverá espaço para gestão deficiente e desvios de verbas, tornando melhor e mais controlada o desenvolvimento de base do País.

 

Política e prisões funcionais

 

Em certos países asiáticos a vergonha e a desonra é tanta, que os políticos cometem suicídio quanto são pegos por mal conduta. No Brasil isso não acontece, mas agora os políticos já estão sendo enviados para a cadeia. As prisões brasileiras são um grande problema e o sistema penitenciário bem ineficiente. Gasta-se muito para manter bandido encarcerado com o dinheiro público. Uma reforma é necessária para tornar as prisões mais funcionais, tanto para os políticos corruptos como para os presos comuns.

Uma Lei Federal de Gestão de Prisões é necessária para melhorar o sistema penitenciário no País. Nessa lei, dentre outros itens, constaria que o preso, qualquer de seja, terá que pagar pela sua estadia na prisão. Ou seja, o preso condenado já entra no presídio sabendo que vai pagar pela eletricidade, água, esgoto, alimento, cama e roupa lavada através do seu trabalho.

Nesse contexto, o governo federal deverá criar colônias agrícolas prisionais nas regiões de produção agrícola do País (ex. região Centro Oeste, Sul, Oeste baiano, outras), onde tanto os presos políticos como os presos comuns trabalharão no campo para gerar renda, de preferência com agricultura orgânica. Nas penitenciárias e colônias agrícolas também serão criadas oficinas prisionais para produção de pequena escala, de produtos como móveis e outro utilitários, como roupas, papel reciclado, lápis, dentre outros, visando a ocupação funcional, a moral e a geração de renda.

 

O Brasil ficaria melhor com toda essa reforma política-administrativa? Tudo indica que sim. Mas como implementar isso. Como fazer com que os políticos sancionem as leis de reforma? Pensando bem é quase impossível no contexto atual. Mas tudo tem um princípio. Os estágios obrigatórios de universitários nas câmaras municipais, estaduais e no congresso nacional será um grande começo, pois introduzirá sangue novo e pensamento qualificado no cerne das decisões nacionais, para que o Brasil se torne um país sustentável e desenvolvido para as presentes e futuras gerações.

 

* Ricardo Braun é PhD em Ciência Ambiental e PD.Sc. em Participação Social e Mudanças Climáticas pela Universidade de Aberdeen, Escócia, Reino Unido




 

 

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