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  "Compadre de Lula comandou compra", diz empresário que vendeu nova sede do Instituto Lula

Data: 01/10/2016

 

"Compadre de Lula comandou compra", diz empresário que vendeu nova sede do Instituto Lula

 
• Em entrevista a ÉPOCA, vendedor de imóvel diz que advogado do ex-presidente da República era o “maestro” do negócio. Documento comprova que transação foi fechada no escritório de Roberto Teixeira
 
Daniel Haidar - Época
 
A pouco mais de um mês do fim do mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o advogado Roberto Teixeira fechava um negócio para cuidar do legado do amigo. Compadre de Lula desde os tempos de sindicalista, Teixeira recebia em seu escritório um empresário que resistia a vender sua parte de um imóvel. Diante da resistência do interlocutor, Teixeira fez uma oferta final e anunciou: “É pegar ou largar”. O advogado comandava a compra de um prédio de três andares na Vila Clementino, Zona Sul de São Paulo, por R$ 6,8 milhões, em nome de um laranja da Odebrecht. O objetivo era que o imóvel, com área de 3.900 metros quadrados, servisse como nova sede para o Instituto Lula. Terminava a negociata que contribuiu, seis anos depois, para a prisão do ex-ministro Antonio Palocci na Operação Omertà, a 35ª fase da Lava Jato, na segunda-feira, dia 26, e enredou Lula em mais um esquema de corrupção de empreiteira, investigado pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal.
 

A negociação conduzida por Teixeira demorou por desavenças entre os proprietários do imóvel. Diva Baldassarri, já falecida, dividia a propriedade com os filhos Fernando, Mateus e Regina. Fernando queria a posse do prédio e brigava havia anos com o resto da família, que queria vendê-lo. Depois de duas conversas no escritório do compadre de Lula, no bairro nobre dos Jardins, cedeu. “Teixeira era o coordenador da compra, o maestro, e disse que era pegar ou largar. A transação foi no escritório dele”, disse Fernando Baldassarri em entrevista a ÉPOCA.
 
Uma cópia da escritura, obtida por ÉPOCA, comprova que a assinatura da venda foi feita no escritório de Teixeira. Desde 1º de fevereiro de 2010 o advogado tentava adquirir e preparar uma nova sede para o Instituto Lula. Nesse dia, o advogado recebera o primeiro e-mail sobre o imóvel da Vila Clementino, com dados passados por uma corretora.
 
O pecuarista José Carlos Bumlai, outro amigão de Lula, mencionou o mesmo episódio em depoimento dado nos últimos meses. Disse ter sido procurado pela então primeira-dama, Marisa Letícia, com a ideia de “constituir um espaço institucional para o ex-presidente”. O pecuarista afirmou que não tinha dinheiro para comprar o imóvel na Vila Clementino. O empresário Marcelo Odebrecht, presidente do grupo Odebrecht, juntou-se então à empreitada. A polícia investiga se o dinheiro para a compra saiu da cota de propina repassada pela construtora Odebrecht a Palocci, como aponta uma anotação de R$ 12,4 milhões, acompanhada do termo “PREDIO IL”, em uma planilha decifrada pelos investigadores da Lava Jato.
 
Antes de assinar a venda, Fernando Baldassarri perguntou ao futuro proprietário, Dermeval Gusmão, qual seria o uso do imóvel. “Ele pôs a mão perto de mim e disse: ‘Você vai saber depois que ficar pronto’”, afirmou Baldassarri. Gusmão foi levado a depor na segunda-¬feira, dia 26, por mandado de condução coercitiva. Amigo íntimo de Marcelo Odebrecht e sócio da D.A.G. Construtora, Gusmão funcionou como “laranja” do negócio, de acordo com as investigações.
 
Agentes da PF rastrearam cada passo da transação a partir de e-mails e anotações no calendário de Marcelo Odebrecht. Meticuloso que era, o empresário deixou rastros de várias etapas da negociata. Em 21 de setembro de 2010, afirmou em um e-mail que estava preo¬cupado com a situação do laranja, o Demé, como era chamado. “Se houver uma fraude a execução, por exemplo, o prejuízo é dele (sic). Estou preocupado com a compradora, a DAG”, afirmou Marcelo a um interlocutor.
 
Na reta final das tratativas, o empresário intensificou as conversas com Branislav Kontic, braço direito de Palocci. Pelo auxiliar, Palocci era informado sobre cada risco da aventura. Como de hábito, Marcelo usava siglas para se referir aos outros – RT era Roberto Teixeira, de acordo com os investigadores. “Chefe, referente ao prédio institucional, RT adiou para esta quinta-feira. Vamos fazer conforme orientado, mas gostaria de compartilhar o cenário/risco abaixo com você. O Risco na prática parece ser de o terreno ficar enrolado por um tempo e/ou termos custos adicionais aos previstos”, diz Marcelo em e-mail de 22 de setembro de 2010. Não se sabe ainda quem é o “chefe” a quem o poderoso empresário se dirigia.
 
Resolvidas as pendências, a Odebrecht cuidaria da reforma do local. Em 28 de setembro de 2012, a D.A.G. Construtora passou o controle do imóvel para uma subsidiária da Odebrecht Realizações Imobiliárias. Por motivos ainda desconhecidos pelos investigadores, os planos para a nova sede do Instituto Lula não foram concluídos e a Odebrecht vendeu o prédio de vez em 5 de junho de 2013 para a Mix Empreendimentos e Participações, uma firma do empresário William Baida, dono da rede Sinal de concessionárias de veículos. “Queria comprar esse imóvel há 15 anos. Se eu soubesse que esses caras estavam envolvidos nisso, jamais teria me metido”, afirmou Baida.
 
Os detalhes da operação importam não apenas pelo episódio em si, mas por confirmar a solidez de uma evidência crucial para a Operação Lava Jato: a planilha de propinas da Odebrecht. Ela foi apreendida meses atrás em e-mail de Fernando Migliaccio, um ex-diretor da empreiteira. Registros do imóvel em cartório coincidem com os dados na planilha. Isso indica que ela é um documento confiável.
 
A compra do imóvel na Vila Clementino atendeu a um padrão comum em operações desvendadas pela Lava Jato. O dinheiro entrou na transação disfarçado por um laranja, enquanto, no mesmo período, segundo os investigadores, o então presidente Lula ajudava a empreiteira. Como revelou ÉPOCA em abril, a Polícia Federal achou e-mails da Odebrecht, de dezembro de 2009, em que executivos pediam uma mudança na agenda de Lula para que ele ajudasse a Braskem, a petroquímica da Odebrecht, num negócio no México. O pedido acabou realizado em 23 de fevereiro de 2010.
 
Procurados, Regina Baldassarri disse que não se lembrava de detalhes do negócio e Mateus Baldassarri não foi localizado. Teixeira afirmou, por sua assessoria de imprensa, que houve interesse no imóvel para sede do Instituto Lula, mas alegou ter apenas assessorado um cliente na transação. “A Operação Lava Jato tenta mais uma vez criminalizar o exercício da advocacia, como forma de fragilizar o direito de defesa”, afirmou em nota.
 
Esse não é o único episódio a gerar uma aparente troca de favores entre Lula e a Odebrecht. Procuradores de Brasília investigam a ajuda do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à empresa. Como ÉPOCA revelou em agosto de 2015, a partir de documentos do Itamaraty, Lula disse a Raúl Castro que usaria seu poder para viabilizar uma obra da Odebrecht em Cuba com um empréstimo do BNDES – o que, na interpretação do Ministério Público, pode configurar tráfico de influência internacional. No rol de esquemas da construtora há mais de oito contratos da Petrobras em que foram identificadas provas de corrupção. Eles levaram Marcelo e outros executivos a julgamento. O empresário já foi condenado a 19 anos e quatro meses de prisão pelo juiz Sergio Moro. Os investigadores suspeitam que Lula pode ter sido recompensado pelo “conjunto da obra”, como disse o ex-senador Delcídio do Amaral, ou pode ter recebido retribuições específicas para cada ato de favorecimento a Odebrecht.
 
Uma empresa comprar um imóvel e doá-lo não configura crime. A Odebrecht poderia ter doado o prédio ao Instituto Lula de forma transparente e pública. O fato de Lula e Marcelo terem trabalhado para manter o negócio oculto, para os investigadores, joga suspeita sobre a relação entre o ex-presidente e o empresário.



 

 

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