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  ...por meio de mandatários eleitos...

Data: 09/01/2014

...por meio de mandatários eleitos...

 

Detalhes

Criado em Quinta, 09 Janeiro 2014

Abre-se o texto da Constituição Federal de 1.988 assegurando que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (art. 1º, parágrafo único).
Nenhuma das duas opções corresponde à realidade atual.
Vamos à primeira parte, que trata dos “representantes eleitos”: vereadores, deputados (distritais, estaduais, federais), senadores, ou prefeitos, governadores e presidente da República com os seus respectivos vices. Dada a impossibilidade de reunir os 200 milhões de brasileiros, ou mesmo os 140 milhões de eleitores, para  proceder a debates e adotar decisões via referendos, plebiscitos e  projetos de lei de iniciativa popular, entende-se a adoção de sistemas representativos através de parlamentos, e de delegação de poderes através de mandatos executivos quadrienais. Para obter este direito, saiu o povo às ruas, nas passeatas das “diretas, já!”.
Só que... A Assembléia Constituinte era composta por bancadas partidárias, treze se não me engano. E já que aos partidos incumbia elaborar a Constituição, o adágio que adverte sobre a tendência de Mateus cuidar primeiro dos seus funcionou a pleno vapor. Ao final das contas, os eleitores votariam e em caráter obrigatório, sim, mas somente nos candidatos pré-selecionados por estes entes que se movem nas sombras e que são as direções partidárias. O eleitor só encontrará nas urnas eletrônicas quem tiver sido previamente acolhido pelos partidos.
Seria até razoável se os 14 milhões de filiados a partidos fossem chamados a participar dessa seleção, mesmo acreditando que um recadastramento não confirmaria a vontade de mais de um terço dentre eles em permanecer filiados. A realidade nega a participação dos filiados: as Convenções eleitorais que se reúnem entre 10 e 30 de junho dos anos eleitorais, compostas por esquálidas parcelas de filiados “de luxo” apenas referendam as listas apresentadas pelas direções partidárias; todos já conhecemos os nomes de uma boa meia dúzia de candidatos à Presidência, e estamos a seis meses das Convenções. Como pode? Fácil. Em 1.995, o Congresso (leiam os partidos) aprovou o texto do que seria a Lei nº 9.096, a Lei dos Partidos. Estes se tornaram pessoas jurídicas de direito privado, e o que se passa nas suas sedes virou matéria interna corporis, ou seja assunto lá deles.  O que manda é o Estatuto, que pode ser alterado quantas vezes o partido quiser, e o TSE apenas autoriza o registro por acórdão. Se algum filiado discordar, que vá bater às portas da Justiça Comum, que não costuma ter o seu forte no Direito Eleitoral; entre as pretensões do Sr. João Ninguém e um tema que envolve Corte Superior de sete Ministros, o Sr. Juiz tem uma natural tendência a resistir aos argumentos do pobre cidadão. Acresce que o TSE declara no seu site ter aprovado o estatuto em vigor, quando apenas o autorizou. Em matéria de direito, a propriedade na linguagem é essencial e admirável; autorizar a publicação não corresponde a aprovar o texto a ser publicado, não poucas vezes um horror anti-democrático. Como podem, por exemplo, os partidos terem os mesmos presidentes por década ou ainda mais tempo, e até muito mais tempo? A eles confiamos a defesa de nossos valores democráticos?
O fato é que os mandatários não são representantes do povo, de quem emana todo o poder. São representantes dos partidos, pessoas jurídicas de direito privado, livres para escolherem as suas regras de escolha. Os eleitores só fazem optar por alguns dentre esses nomes, e de forma obrigatória. Mais de 90% das democracias do mundo acolhem a figura dos candidatos independentes de partidos, ou avulsos; o Brasil não, o que retira uma baita fatia – no meu entendimento – da legitimidade da representação popular. O eleitor não tem o direito de escolher quem prefere para vereador ou para prefeito, apenas escolher  entre quem conveio aos partidos apresentar. Nestas condições, permitam duas  perguntas: o mandatário é representante do povo ou do partido que o indicou? E você se sente representado por algum partido, já foi consultado por algum sobre qualquer tema e em qualquer momento? O divórcio é total, só não enxerga quem não quer ver.
Quanto ao exercício direto do poder pelo povo, nos termos da Constituição, já fez objeto de regulamentação por leis federais, em particular o Estatuto da Cidade e a Lei de Acesso à Informação. Sejamos francos: a participação ocorria em nível bem mais intenso antes da Constituição de 88. Hoje, todos os partidos, inclusive os que atuavam na participação popular nos idos de 83, opõem-se à, ou não vivem, qualquer tentativa de verdadeira e ampla participação popular. 
Exagero nas tintas? Escrevo algo que não corresponda à verdade? Só posso dizer que é a minha entristecida opinião, embasada em dura vivência, tanto partidária quanto administrativa e, também e sobretudo, de militância comunitária. Enquanto não atentarmos para a necessidade de uma reforma eleitoral que rompa essa exclusividade na indicação de candidatos por partidos que são privilegiadíssimas pessoas jurídicas de direito privado, estaremos negando a autenticidade da representação popular.

 Philippe Guédon 




 

 

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